segunda-feira, 14 de abril de 2014

Brasil nega que crise na Ucrânia afete criação de foguete

(GHX/Terra) O Brasil está confiante de que a crise na Ucrânia não afetará o cronograma da parceria binacional para o lançamento do foguete Cyclone 4. A garantia é do brigadeiro Wagner Santilli, chefe de Relações Corporativas da Alcantara Cyclone Space (ACS), empresa binacional especializada em veículos lançadores espaciais, concebida em acordo de 2003 e criada efetivamente em 2006. Mas o sucesso dessa empreitada de R$ 2 bilhões ainda depende de diversos fatores, como a falta de um acordo de salvaguardas tecnológicas com os Estados Unidos.

Conforme Santilli, a tensão política e institucional estabelecida no Leste Europeu não afeta a importância que o parceiro dá ao programa. “Para a parte ucraniana, o projeto Cyclone 4 continua sendo uma prioridade e independe da situação atual”, diz. Após uma série de atrasos desde o início do projeto, sua estreia é estimada para ocorrer em 2015 - oito anos depois do previsto. O acordo entre as duas nações objetiva a exploração comercial do foguete para o lançamento de satélites de outras nações a partir da base de Alcântara.

Apesar da confiança brasileira, a situação não é tão simples. A Ucrânia vive intensa turbulência desde o final do ano passado. Com o país dividido entre os que defendem maior proximidade com a União Europeia e o movimento pró-Rússia, seu presidente, Viktor Yanukovich, acabou deposto pelo parlamento local em fevereiro. Três anos atrás, ele havia visitado o Brasil e acertado detalhes considerados fundamentais para a continuidade e viabilidade do projeto.

Em sua única manifestação sobre o caso, o Itamaraty divulgou nota na qual afirma acompanhar com preocupação o cenário, lamenta as mortes ocorridas e conclama as partes envolvidas a dialogar. Diferentemente de nações como Reino Unido e Estados Unidos, o governo brasileiro não emitiu comentários contundentes em defesa de seu parceiro ucraniano no episódio da Crimeia.

Cronograma
Na análise de Santilli, não há implicâncias diretas do cenário atual no andamento do projeto. Ele garante que as agências espaciais brasileira e ucraniana permanecem dialogando e dando seguimento ao cronograma. “O desenvolvimento do veículo, bem como a fabricação dos equipamentos tecnológicos, continuam de acordo com a programação”, afirma.

No momento, no entanto, as obras em Alcântara, no Maranhão, se encontram suspensas devido à estação de chuvas. Em março, seu percentual de conclusão era de aproximadamente 40%. A infraestrutura geral do Centro de Lançamento é a parte que cabe ao Brasil no acordo. Já o desenvolvimento do Cyclone 4 é de responsabilidade ucraniana e se aproxima dos 80% de conclusão.

Mesmo que a tensão na Ucrânia se dissipe e as obras em Alcântara sejam retomadas, a perspectiva comercial pode ser frustrada por outros dois motivos. O primeiro é financeiro. Sob esse prisma, o projeto foi criticado por especialistas ouvidos pelo Terra, com a alegação de que o grande investimento do governo brasileiro na ACS não terá o retorno desejado.

Até o momento, Brasil e Ucrânia já integralizaram no projeto, cada um, US$ 229 milhões. Santilli informa que novo capital no mesmo valor já está aprovado. Com o reforço financeiro, cada parceiro terá investido US$ 458 milhões (pouco mais de R$ 1 bilhão) no programa espacial, cujo custo total bate em US$ 916 milhões (ou R$ 2 bilhões).

Salvaguardas
O maior entrave, contudo, é aguardado para a sua fase de execução. O motivo é a demora na assinatura de um acordo de salvaguarda tecnológica entre Brasil e Estados Unidos, detentor de componentes necessários para cerca de 80% dos satélites que o Cyclone-4 poderá carregar. Sem ele, a empresa binacional não possui autorização para lançar ao espaço qualquer artefato com componente fabricado em território americano. Questionado sobre um possível comprometimento do programa nestas condições, Santilli esclarece que o instrumento é importante para a assinatura de contratos com os futuros clientes.

Um acordo de transferência tecnológica, respeitando as leis de controle de exportação dos Estados Unidos, chegou a ser elaborado em 2000, mas o governo brasileiro não ratificou a proposta após legisladores expressarem preocupação quanto a uma possível violação da soberania do País.

A assessoria de comunicação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação afirmou que o tema está sob análise do Ministério das Relações Exteriores, que se limitou a informar que não se manifestaria sobre o assunto. O Terra entrou em contato ainda com a direção ucraniana da ACS para avaliar os impactos da tensão em seu país sobre o projeto e comentar a ausência de salvaguardas, porém ela também decidiu não se pronunciar.

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