sexta-feira, 6 de maio de 2011

Cosmonautas russos e astronauta brasileiro falam com exclusividade

Pavel Vinogradov, Oleg Kotov e Marcos Pontes contam suas experiências no espaço


Os homens do espaço (da esq. para a dir.) Marcos Pontes (1.º), Oleg Kotov (2.º) e Pavel Vinogradov (4.º) com o Cônsul Geral da Rússia, Andrei Budaev (3.º), nos estúdios do programa Voz da Rússia, no Rio




(Diário da Rússia) Recebemos nos estúdios do programa Voz da Rússia, no Rio de Janeiro, três ilustres convidados: os cosmonautas russos Pavel Vinogradov e Oleg Kotov e o primeiro astronauta brasileiro, Marcos Pontes. Os três vieram participar de eventos no Brasil, no âmbito das comemorações dos 50 anos do primeiro voo tripulado ao espaço, realizado por Yuri Gagarin.

Pavel Vinogradov, de 57 anos, nasceu na cidade de Magadan, no Extremo Oriente da Rússia. Graduado como piloto pelo Instituto de Aviação de Moscou em 1977, foi selecionado para o programa espacial russo em 1992. Realizou duas viagens ao espaço, onde permaneceu, no total, por mais de um ano. Em 30 de março de 2006 ele foi comandante da Expedição 13, para uma longa temporada em órbita a bordo da Estação Espacial Internacional, no comando da nave Soyuz TMA-8 e em companhia dos astronautas Jeffrey Williams, dos EUA, e Marcos Pontes, do Brasil, na estreia de um brasileiro em órbita da Terra.

Oleg Kotov, de 45 anos, nasceu em Simferopol, na Crimeia. Graduado em Medicina, é um especialista dedicado à pesquisa dos efeitos fisiológicos sobre o corpo humano em permanência no espaço. Realizou dois voos espaciais, sendo que no último assumiu o comando da Estação Espacial Internacional.

Marcos Pontes, nascido em Bauru, no Estado de São Paulo, em 11 de março de 1963, partiu, em 30 de março de 2006, em direção à Estação Espacial Internacional (ISS) a bordo da nave russa Soyuz TMA-8, com oito experimentos científicos brasileiros para execução em ambiente de microgravidade.

Aqui, Vinogradov, Kotov e Pontes contam um pouco sobre o passado, o presente e o futuro da aventura espacial da Rússia e do Brasil.

Voz da Rússia: É um prazer receber vocês nos estúdios do programa Voz da Rússia, no Rio de Janeiro. A minha primeira pergunta será para Pavel Vinogradov, já que ele pode ser considerado praticamente um veterano. O que significa o nome de Gagarin para a sua geração?

Pavel Vinogradov: Yuri Gagarin foi a pessoa que, basicamente, abriu o caminho para a minha profissão. Na época do seu voo, eu era garoto, e acho que o sonho de toda criança soviética daquele tempo era ser cosmonauta. Acho que eu tive sorte de ter sido criança naquela época. Gagarin é um grande exemplo, alguém em quem se mirar. É uma lenda não só para mim, mas para todos os cidadãos soviéticos e agora russos. No mundo todo.

VR: Pavel, você poderia contar para o nosso público como você se tornou cosmonauta e como foi e quanto tempo durou o seu treinamento?

Pavel Vinogradov: Foi mais por acaso, do que por intenção. Mas devo admitir que a profissão que escolhi desde o início abria possibilidade para isso. Concluí o Instituto de Aviação de Moscou como engenheiro especialista em mísseis. Mas só depois da graduação foi que ser cosmonauta se tornou um objetivo e uma escolha consciente. O treinamento é longo. Após a admissão e até o primeiro voo geralmente transcorre um período de oito a dez anos. O treinamento geral para voos é de dois anos, aproximadamente. Depois vêm os treinamentos específicos, que demoram de quatro a cinco anos. Enfim, é um longo processo, e é muito raro alguém decolar antes de oito anos de treinamentos.

VR: Pavel, você realizou voos tanto nos anos de 1990 quanto nos de 2000. O modo de treinamento mudou de lá para cá?

Pavel Vinogradov: Eu acho que o sistema de treinamento que se formou nos anos 70 e 80 não sofreu grandes alterações nos anos 1990 e 2000. A principal diferença nos dias de hoje é a quantidade de material para ser estudado. Antigamente tínhamos que estudar as estruturas das nossas estações, como a MIR. Hoje, a isso tudo se soma toda a informação necessária para operar a Estação Espacial Internacional, que é três vezes maior do que a MIR. Além disso, estamos cooperando com outros países em diversos projetos, ou seja, temos de estar a par do que está sendo estudado e desenvolvido nos Estados Unidos, na Europa e nos países asiáticos. Só para se inteirar do quadro geral da cosmonáutica no mundo já demora um tempo colossal e demanda grandes esforços. Ou seja, hoje o treinamento, sem dúvida, é mais difícil, simplesmente porque conhecemos mais, e as máquinas que temos de operar hoje são mais complexas do que as de décadas passadas.

VR: Recentemente, a Agência Espacial da Rússia, a Roskosmos, anunciou planos de enviar missão tripulada à Lua até 2030, e uma missão tripulada a Marte até 2040. Em sua opinião, estes objetivos são realizáveis? Como será o treinamento para essas missões tão complexas?

Pavel Vinogradov: Quanto à Lua, o treinamento não deverá ser muito mais difícil do que no Programa Apolo. A humanidade já teve prática de voo a distâncias relativamente longas no espaço e até a Lua. Quanto à realidade dos prazos propostos, posso dizer que, tecnicamente, isso já era possível para nós há mais de 15 anos. Ou seja, aqui depende tudo da vontade política e das possibilidades financeiras, que devem ser muitas, para realizar um projeto desse porte. É muito difícil justificar, financeiramente, a necessidade de enviar uma missão para a Lua. Imagine quando se tratar de enviar uma missão a Marte. Agora, no caso de o apoio financeiro estar garantido, uma missão tripulada à Lua é realizável em prazos mais próximos. Voltando ao treinamento, ele será bem diferente do treinamento comum. Uma coisa é voar em volta da Terra, outra é voar até a Lua. A navegação será muito mais complexa. Será necessário se orientar pelas estrelas e realizar um pouso em um corpo celeste sem atmosfera própria, o que é bem difícil. De qualquer maneira, será um treinamento específico para uma tripulação já experiente. Ou seja, a dificuldade estará nos aspectos específicos relacionados à missão.

VR: Pavel Vinogradov, você já esteve tanto na Estação Espacial Internacional, nos anos 2000, quanto na estação MIR, em meados dos anos 90. Você poderia comparar essas duas estações?

Pavel Vinogradov: Eu, pessoalmente, tenho um grande apreço sentimental pela estação MIR. Esta estação era nossa, apesar de nela terem trabalhado astronautas e cosmonautas de outros países, como Estados Unidos e França. A MIR, apesar de parecer gigante para nós naquela época, com seus seis módulos, era, na realidade, muito menor do que a Estação Espacial Internacional. Nesse sentido, não dá para comparar as duas estações. A Estação Espacial Internacional está completamente em outro nível técnico e tecnológico. Todo o equipamento é de outra geração. Enquanto na MIR nós tínhamos, no máximo, uns cinco computadores a bordo, na Estação Espacial Internacional há dezenas de computadores. É como comparar uma boa Mercedes velha com uma boa Mercedes nova. São coisas completamente diferentes. A MIR nos deu muita coisa. Foi lá que aprendemos não só a trabalhar mas também a morar no espaço. Tivemos muitos erros e acertos naquela estação, e eles nos enriqueceram imensamente. Muita informação da qual dispomos após a experiência da MIR nós aplicamos na Estação Espacial Internacional, e hoje também estamos apreendendo com essa experiência. Espero que a próxima estação seja melhor ainda.

VR: Pavel, qual é a sua ocupação atual?

Pavel Vinogradov: Eu dirigi uma das seções da corporação Energia e me ocupei de atividades administrativas. Recentemente, porém, fui escalado para mais uma missão. Será a 35.ª expedição para a Estação Espacial Internacional. Já comecei a me preparar, e espero estar em órbita em um ou dois anos.

VR: Vou falar agora com Oleg Kotov. Gostaria de repetir a primeira pergunta que fiz ao Pavel. O que significa para a sua geração o nome de Yuri Gagarin?

Oleg Kotov: Em primeiro lugar, gostaria de saudar todos os ouvintes do programa Voz da Rússia e parabenizar todos pelo dia 12 de abril, quando completou 50 anos o primeiro voo tripulado para o espaço. Respondendo à sua pergunta, será difícil adicionar algo à resposta de Pavel. Gagarin foi símbolo de uma época, de um salto tecnológico para toda a humanidade, da descoberta de um novo espaço para a atuação humana. Por outro lado, ele também é um indivíduo, um herói, que realizou um grande feito.

VR: Oleg, você, assim como Pavel, passou longas temporadas, superiores a seis meses, no espaço. Como o organismo humano reage a esse tempo todo em estado sem gravidade e como é o processo de readaptação após a volta para a Terra?

Oleg Kotov: Os efeitos da falta de gravidade sobre o organismo humano já são bastante conhecidos, mas os estudos sempre continuam. Claro que a falta de gravidade não é uma condição natural para o homem. Um longo tempo de permanência nesse estado acaba agindo negativamente em algumas funções do organismo, mas os meios modernos já permitem controlar a maioria dos efeitos negativos decorrentes dessa condição. Hoje a maioria dos nossos cosmonautas permanece em órbita por seis meses. Esta duração da missão não foi escolhida por acaso. Muitos já permaneceram em órbita por mais e por menos tempo. Seis meses de permanência em órbita permitem, segundo os estudos, tanto um bom desempenho do organismo no espaço quanto uma excelente recuperação na volta para a Terra. O tempo de reabilitação dura de um a dois meses. Nesse tempo a pessoa volta a andar e se orientar no espaço de modo satisfatório. Já a recuperação completa do organismo ocorre em seis meses, no nosso caso. O tempo de recuperação depende do tempo de voo.

VR: Oleg, seis meses são bastante tempo. Como você se comunicava com a sua família?

Oleg Kotov: Nós temos a possibilidade de realizar ligações telefônicas, escrever e-mails, e às vezes é possível organizar videoconferências com os familiares mais próximos, uma ou duas vezes por semana. Hoje a tecnologia possibilita manter contato com a família e amigos de um modo bastante regular.

VR: Oleg, em seu primeiro voo para o espaço a sua tripulação contava com a presença do turista espacial Charles Simonyi. O treinamento dele certamente foi menor do que o de um cosmonauta profissional. Como foi essa convivência com esse tripulante inusitado a bordo?

Oleg Kotov: Bem, o turista espacial, como diz a palavra, é representante de uma terceira profissão. O turista vai para o espaço para cumprir outro tipo de missão, que varia de acordo com cada caso, e recebe um treinamento apropriado para isso, e sim, mais curto do que o de um cosmonauta profissional. No caso de Charles Simonyi, com quem eu voei, não diria que ele era um turista. Na verdade, eu não gosto dessa definição – turista espacial. Porque os cosmonautas não profissionais que viajam para o espaço não fazem isso para se divertir. Os participantes de missões espaciais, esta seria a designação correta, pagam com recursos próprios um tempo de voo para a realização de pesquisas. No caso de Charles Simonyi, o único cosmonauta não profissional a voar duas vezes para o espaço, ele tinha um objetivo – fazer experimentos com o próprio corpo no espaço. Ele tinha preferências por uma ou outra pesquisa, mas, de modo geral, ele deixou o seu corpo à disposição de cientistas para realizar pesquisas sobre o efeito da permanência no espaço. E eu tive a oportunidade de ler um estudo bem interessante sobre os efeitos do voo no corpo de Simonyi, estudo que trouxe grandes contribuições para o entendimento de como a estada no espaço atua em um corpo de idade avançada. É um estudo praticamente único. Receber esse tipo de dado de forma oficial é muito difícil.

VR: Oleg, farei a mesma pergunta que fiz a Pavel: do que você se ocupa atualmente?

Oleg Kotov: Responderei como Pavel: estou desempenhando funções administrativas. Não fosse isso, gostaria de estar voando todos os dias.

VR: Pavel Vinogradov, novamente me dirijo a você. Há pouco foi dito que o voo para a Lua é realizável, e que Marte não está tão distante assim. Quais seriam os próximos objetivos da cosmonáutica?

Pavel Vinogradov: A resposta para essa pergunta vale, no mínimo, um Prêmio Nobel. A Lua e Marte não são, por si sós, um objetivo. Existem muitas pesquisas adjacentes em diversas áreas que permitem justificar essas missões. Temos muitos objetivos a cumprir, e um deles, quem sabe, seria a proteção da Terra. Muitos especialistas concordam com o fato de a Terra estar totalmente desprotegida contra choques com corpos espaciais, tais como cometas e asteroides. Para isso, o homem tem de aprender a voar para longe da Terra. Pois as tentativas de interceptação devem ocorrer a uma distância muito grande. Esse seria um objetivo válido para além de Marte, uma boa proposta para consolidar o mundo todo em torno de uma causa. Repito, porém, que é só um dos objetivos entre tantos possíveis.

VR: Pavel, em sua segunda missão espacial você foi comandante do voo que levou o primeiro astronauta brasileiro, Marcos Pontes, ao espaço. Como foi o relacionamento de vocês?

Pavel Vinogradov: Marcos Pontes é um excelente profissional, piloto e engenheiro. Nós, na tripulação, nunca temos essa diferenciação de comandante e comandado. Ao meu lado estavam sentados: Jeffrey Williams, uma pessoa muito experiente, com quem pude aprender muito; e Marcos Pontes, também uma pessoa que não só pilota mas pilota extremamente bem, e é um profissional com letras maiúsculas. Eu voaria com Marcos novamente para onde quer que fosse. Para a Lua, para Marte ou para outro destino qualquer.

VR: Farei pergunta semelhante para Marcos Pontes. Como foi o seu treinamento na Rússia e como foi o seu relacionamento com Pavel Vinogradov, com quem você realizou a sua missão espacial?

Marcos Pontes: Foi uma experiência muito positiva. Desde o início, no momento em que cheguei à Cidade das Estrelas pela primeira vez e foi elaborado o plano de treinamentos, a experiência sempre foi muito positiva. Fiquei muito surpreendido. Eu treinei vários anos na NASA para decolar em um ônibus espacial. Depois, a missão foi abortada e a Agência Espacial Brasileira assinou acordo para realizar a missão com a Agência Espacial da Rússia. Era natural que eu sentisse um pouco de insegurança. Afinal, eu teria de aprender novos sistemas, era um local diferente, o treinamento poderia ser diferente, as pessoas, a cultura, a língua diferente. Então, eu sentia uma certa insegurança, que se esvaiu assim que pus os meus pés na Cidade das Estrelas. O contato com as pessoas se estabeleceu rapidamente e a afinidade foi praticamente imediata. Quando eu conheci a tripulação, Pavel e Jeff, foi a mesma coisa. Para resumir o meu contato com Pavel e Jeff, eu digo que ganhei dois irmãos. E quando digo “irmãos”, digo no sentido real da palavra. São pessoas a quem eu confio a minha vida, e sou a pessoa a quem eles podem confiar a deles. Foi uma honra muito grande ter voado com eles, e eu também voaria para qualquer parte com essa tripulação.

VR: Marcos, quais seriam as perspectivas e as áreas mais promissoras para a cooperação espacial Brasil-Rússia?

Marcos Pontes: Acho que há potencial muito grande para a cooperação aeroespacial. No meu caso, há um grande interesse pelas missões tripuladas e, como o ônibus espacial americano está parando, tenho esperança de realizar um segundo voo com os russos. No entanto, temos outras áreas de grande perspectiva, como a área técnica. Já temos uma certa cooperação com a Rússia no caso de projetos de VLS, Veículos Lançadores de Satélites, que deverá ser incrementada. Outra cooperação muito interessante poderia se estabelecer na área da Medicina Espacial, no que a Rússia, certamente, tem uma grande tradição. E na USP, em São Carlos, onde eu trabalho como pesquisador convidado de estudos avançados, está sendo criado um curso de Engenharia Aeroespacial. A minha expectativa é de que nesse curso possamos trazer amigos e colegas, engenheiros e cosmonautas russos, para colaborar na condição de professores permanentes ou temporários. Creio que só teremos a ganhar, se isso der certo, e que a gente possa oferecer muitas coisas boas em troca dessa parceria.

VR: Marcos, você está ciceroneando os seus colegas russos aqui no Brasil. O que você gostaria de mostrar para eles?

Marcos Pontes: Quando passávamos sobre o Brasil, durante a nossa missão, eu comentava com Pavel, Jeffrey e Valeriy, que também estava conosco, sobre os lugares que eu deveria mostrar para eles aqui. Infelizmente, quando eles vêm, a agenda deles é muito rígida. O ideal seria visitar o país com possibilidade de viajar por uns 15 dias. Seria muito interessante mostrar o Sul do Brasil, na área de Caxias do Sul, por exemplo; ou o Nordeste, com as praias de Natal; ou o Amazonas, de que todos falam tanto; ou o Pantanal. Enfim, o Brasil tem muito a ser visto. É um país muito grande, e acho que consegui despertar o interesse deles quando mostrava o país do alto. Espero que eles venham com mais tempo e de férias, para eu poder mostrar tudo para eles.

VR: Obrigado, Marcos, Pavel e Oleg. Eu gostaria de agradecer, em nome de toda a nossa Redação, a presença de visitas tão ilustres nos estúdios do programa Voz da Rússia.

Marcos Pontes: Eu é que agradeço. Em meu nome e em nome de todos os que se interessam pela área aeroespacial. E, para aqueles que quiserem saber mais detalhes, ofereço meu site: www.marcospontes.com.br. Quanto mais nós pudermos agregar os jovens a essa área da ciência e da tecnologia, melhor será. O Brasil precisa disso.

Pavel Vinogradov: Envio minhas saudações para brasileiros, russos e pessoas de todo o mundo. Eu gostaria de desejar a todas as pessoas paz, acima de tudo. Para que a paz esteja em todos os lugares. No Brasil, na Rússia, nas Américas, na Ásia. Eu acho que nós merecemos uma Terra cada vez melhor.

Oleg Kotov: Eu me junto ao Pavel Vinogradov, e gostaria de completar com o seguinte. Não parem de perseguir os sonhos. Que cada um alcance a própria estrela e se mova sempre para a frente!

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