quarta-feira, 13 de novembro de 2013

EEI - A História de Uma Crise Anunciada: AEB Versus NASA


(Defesanet / Brazilian Space) A Agência Espacial Brasileira (AEB) tenta atualmente reatar com a National Aeronautics and Space Administration (NASA), sua correspondente dos Estados Unidos. Uma missão das mais difíceis, principalmente no momento que as políticas externas de ambos países estão envoltas em casos de espionagens e acusações. Mas essa história de desencontros e desagrados vem de longe, de pelo menos uma década de sucessivas atrapalhadas e dos famosos ‘contos do vigário’.

Pela primeira vez um veículo de imprensa passa a revelar pormenores desta que é a maior crise já estabelecida entre os órgãos oficiais ligados ao setor espacial dos dois países e que praticamente paralisou os intercâmbios e projetos entre ambos. E desmanchou com o resto de credibilidade que o Brasil tinha na área.

“Estamos numa reaproximação boa, voltaremos a fazer projetos conjuntos e nossa conversação está sim fluindo muito bem”, declarou o ministro de ciência, tecnologia e inovação, Marco Antonio Raupp, um dos responsáveis por essa aproximação quando ainda exercia o cargo de diretor geral do INPE, na década de 80.

A trajetória desta crise anunciada entre as duas agências espaciais surgiu logo após a inclusão do Brasil no mega-projeto da Estação Espacial Internacional (EEI), em outubro de 1997. A constante falta de repasse orçamentário para o projeto, sucessivos atrasos de cronograma, corte de verbas pelo Congresso Nacional e o descaso do governo com o compromisso assumido irritaram profundamente a direção da NASA, que teve seu ápice em novembro de 2006.

O total de investimentos necessários para construir a estação era estimado em US$ 100 bilhões. A parte brasileira seria de US$ 120 milhões, ou seja, 0,12% do montante total. E isto foi conseguido em muito pela eficiência da gestão do primeiro presidente da entidade, Luiz Gylvan Meira Filho, hoje no Instituto de Estudos Avançados da USP e que mantinha um ótimo relacionamento com a direção da instituição norte-americana.

Para isto foi criado o Programa Brasileiro para a Estação Espacial Internacional. A gerência do programa, desenvolvimento e execução dos seis equipamentos contratados estavam sob a responsabilidade do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) em parceria com indústrias brasileiras. Já que o órgão mantinha diversos programas bem sucedidos com os pesquisadores na NASA no segmento ambiental.

O acerto de participação na EEI era vantajoso em vários aspectos, como mostram os AC artigo 9.4 - Transporte de experimentos para e da Estação pagos pela NASA; artigo 9.4 e 9.4 b - Oportunidade para experimentos brasileiros. E os itens do artigo 10.1 e 10.2 garantiam a “possibilidade de enviar um astronauta brasileiro para fazer parte da tripulação da Estação por um período padrão de 3 meses”. Além de qualificar a indústria nacional para esse novo e emergente mercado.

O cronograma previa a entrega da primeira peça brasileira em outubro de 2002 seguindo até janeiro de 2004, segundo documentos constantes no site do INPE. A própria direção da NASA chegou a informar que Pontes participaria de uma missão oficial em 2007. Mas isto antes das incertezas geradas pela postura do governo federal.

Em 2002, mesmo sem entregar qualquer peça, veio o colapso nas relações. Segundo fontes ligadas ao Ministério de Ciência e Tecnologia, o Brasil só não foi expulso do consórcio para se evitar uma crise generalizada. Então optou-se por diminuir drasticamente a participação nacional e extinguir qualquer chance de se ter um astronauta brasileiro no espaço. A NASA assumiu o que era de responsabilidade brasileira e lançou uma pá de cal sobre o assunto.

Pelo termo de adesão da AEB junto ao grupo de 15 Países construtores da estação espacial, havia a contrapartida encabeçada pelos norte-americanos de treinar e enviar ao espaço um ou mais astronautas brasileiros para as missões oficiais na EEI. Algo pretendido e com intenção de ser recuperado na renegociação do contrato pelo governo brasileiro.

Para minimizar a quadro diante da opinião pública e a pressão de vários setores do governo, a AEB argumentou que a revisão sobre a participação nacional na EEI se deu pelo alto custo das peças incluídas no documento inicial, superior ao estimado. Além do acidente com o ônibus espacial Columbia, que causou descontinuidade no cronograma da estação espacial.

O relatório da agência ao Ministério da Ciência e Tecnologia, referente ao exercício de 2003, teve um tópico sobre essa situação.

“Participação Brasileira na Estação Espacial Internacional - Significativos avanços foram alcançados nas negociações com a NASA com vistas à revisão da participação brasileira no programa da Estação Espacial Internacional - ISS. Em face de limitações orçamentárias e das prioridades do PNAE, a AEB, diante da proposta de emenda formulada pela NASA, apresentou contraproposta, elaborada em conjunto com o INPE, na qual compromete-se inicialmente a fornecer apenas os itens denominados FSE (“Flight Support Equipment”), com a possibilidade de inclusão de outros itens, caso fontes adicionais de recursos venham a ser viabilizadas. Propôs, ainda, que se busquem identificar itens que sejam de interesse comum tanto da NASA quanto de outros projetos prioritários do PNAE, como equipamentos de sensoriamento remoto. Adicionalmente a AEB está trabalhando em conjunto com a NASA na identificação de possíveis parcerias entre cientistas brasileiros e norte-americanos para a realização de pesquisas conjuntas que explorem as facilidades da Estação. Técnicos do INPE já se encontram na NASA realizando um trabalho conjunto de identificação de itens alternativos e novo documento de emenda deverá ser preparado em breve, de modo que permita a retomada da cooperação nestas novas bases “.

Segundo dirigentes da NASA declararam à imprensa internacional em abril de 2006, desde 2004 os contatos com a agência brasileira saíram por completo de cena. O Brasil simplesmente se escondia de suas atribuições e cobranças. Embora em 2003, a AEB discutisse sobre as alternativas disponíveis para concretizar o plano de ver Pontes integrar uma missão espacial, na tentativa de acelerar o processo. Essa era uma exigência do então ministro de C&T, Roberto Amaral, apoiado diretamente pelo presidente Lula.

A insistência era tamanha que Roberto Amaral passou a exigir, via imprensa, que a NASA colocasse o astronauta Marcos Pontes em uma missão tripulada ao espaço tal era ‘o gasto que o Brasil já tinha feito’ na formação do militar. O discurso de Amaral, que pouco antes tinha defendido a construção de uma bomba atômica pelo país, soou como anacrônico e beirando o grotesco. Os norte americanos não entendiam como um país que não cumpria seus acordos contratuais podia vir a público exigir seu astronauta em uma missão enquanto diversos outros candidatos estrangeiros aguardavam a convocação e tinham seus países em dia com a Estação Espacial.

O marketing do governo federal via a possibilidade de consolidar seu discurso nacionalista na figura de um herói brasileiro, que sintetizasse a saga do operário humilde até se tornar um astronauta. Uma estratégia utilizada no império soviético para enaltecer as qualidades do homem comum, porém com uma defasagem de mais de 80 anos em relação as convicções promocionais brasileiras.

No rol das surpresas, uma outra veio em outubro de 2005, quando o presidente da entidade, Sergio Gaudenzi, anunciou o acordo com a Agência Espacial Federal da Rússia (Rosaviakosmos), que tornaria viável a viagem de Pontes. Um custo elevadíssimo, que arrebentaria com o programa CBERS 3, para levar um punhado de feijões para germinarem no espaço a um custo de Us$ 10 milhões.

(Nota DefesaNet – O efeito Pontes teve sérias consequências na indústria afetando empresas fornecedoras do CBERS-3, como a Opto, de São Carlos –SP)

Turismo Espacial
A reação dos dirigentes da NASA foi imediata. Na foto oficial do voo, no qual participou um astronauta dos Estados Unidos e um cosmonauta russo, a imagem de Marcos Pontes foi suprimida e a informação dada era que a ida do militar brasileiro se tratava de um “voo comercial”. Ou seja, uma atividade ligada ao “turismo espacial”, que tem bancado parte das deficiências orçamentárias dos projetos espaciais russos.

A transmissão pela TV NASA, feita via internet, mostrou que as missões foram separadas em duas. A missão 12, reservada aos dois outros integrantes do voo, e a missão 13, denominada “Missão Pontes”. Essa divisão foi utilizada para desvincular as atividades e finalidades na estação espacial.

Como foi no caso do milionário Dennis Tito, que voou a bordo da Soyuz em 2001, e o africano Mark Shutleworth, em 2002. Todos pagaram US$ 20 milhões pela aventura, foram treinados na Rússia e tiveram atividades práticas dentro da EEI.

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