segunda-feira, 3 de junho de 2013

Viagem sem volta: brasileiros se inscrevem para colonizar Marte

Projeto Mars One já teve cerca de 80 mil inscritos e pretende levar a humanidade ao planeta em 2030

(GHX/Terra) Enquanto acompanha as experiências de robôs em solo marciano, o mundo presencia uma nova corrida espacial. Agora, não mais para colocar o homem em órbita, evento já corriqueiro, ou na Lua, destino abandonado, mas para pisarmos em Marte. E com a abertura das inscrições para o projeto Mars One, vários brasileiros preencheram o cadastro e aguardam a chance de integrar o seleto grupo que embarcará em uma viagem só de ida para o Planeta Vermelho. Nessa epopeia, que nasce tomada por interrogações, os participantes voluntários declaram estar cientes das adversidades estimadas para colonizar o astro vizinho, sob o ceticismo de boa parte da classe científica.

O Mars One é iniciativa de uma organização holandesa, não governamental e sem fins lucrativos, que pretende colonizar Marte a partir de 2023. O plano inclui viabilizar um financiamento por um reality show para transmissão de todas as ações exploratórias aos "terráqueos". O projeto conta com importantes apoios, como Gerard't Hooft, Nobel de Física em 1999, e Buzz Aldrin, segundo homem a pisar na Lua. Em menos de um mês, o projeto reuniu cerca de 80 mil inscritos.

Entre eles, há homens e mulheres, jovens e veteranos. Não há um padrão físico ou profissional, mas o desejo de participar de uma experiência única e, talvez, certo nível de insanidade em comum. "É coisa de doido, eu sei", admite o jornalista João Carlos Leal, 52 anos, morador de Nova Friburgo (RJ), que diz ter combinado com o filho para ser enviado em um foguete até Marte - mesmo que já estivesse morto e cremado. Isso tudo antes do Mars One, garante.

O estudante de Engenharia Mecânica Filipe Costa Moreira, 23 anos, de Ilha Solteira (SP), diz que nunca subiria em uma nave espacial para morrer e revela confiança no projeto. Ele afirma que, havendo cálculos, respaldo técnico e possibilidade de sobreviver ao menos por alguns anos, embarcaria "sem pensar demais". "Guardadas as devidas proporções de tecnologia, essa viagem tem os mesmos princípios que os primeiros desbravadores tiveram quando vieram para a América", compara.

A admiração por astronomia, que nasceu e persiste desde a infância, é uma característica facilmente observada entre os inscritos no projeto. Como em qualquer reality show, há divulgação de candidaturas e pedido de votos via redes sociais. Em seu perfil no Mars One, João Carlos defende que a colonização de Marte é um trabalho para pessoas na faixa dos 60 anos - ele terá 62 em 2023. "Seria crueldade expor jovens cheios de vida a viverem contidos em ambientes tão restritos", argumenta. "Uma pessoa mais velha teria muito menos a perder e poderia se doar muito mais pelo futuro da colônia", completa.

A família do estudante de publicidade e propaganda Bruno Freire, 22 anos, de São Paulo (SP), parece concordar. "Ainda não acataram a ideia, ainda mais por ser uma viagem só de ida. Mas meus amigos acharam engraçada essa decisão e se deram bem com o assunto. Alguns não gostaram tanto e me chamaram de louco", revela o candidato.

Viagem
A viagem prometida pelo Mars One é para afugentar quem está na dúvida. Estão previstos sete a oito meses de deslocamento em uma estrutura apertada com outros três voluntários. Relações humanas devem ser testadas ao limite nesse ambiente. Também haverá pouca comida e nada de banho, apenas lenços umedecidos.

Tais adversidades não serão reduzidas na aguardada chegada. A temperatura média da superfície em Marte é de -65°C. Há frequentes tempestades de poeira e uma atmosfera formada em 95% por dióxido de carbono e com apenas 0,2% de oxigênio. "Marte não é fácil. Pouca atmosfera e muito frio. Como gerar calor para as pessoas e para, por exemplo, as estufas de produção de alimentos? Esses desafios podem ser vencidos, mas dificilmente por grupos isolados de pessoas voluntariosas", avalia o doutor em Astrofísica Jorge Ducati, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Filipe Moreira acredita que encontrará em Marte poeira, radiação, frio, solidão e muito trabalho, mas se diz preparado. Quanto à comida, água e ar racionados, entende ser um preço justo pela oportunidade. "Sem dúvida, o que eu mais sentiria falta em Marte seria um belo pedaço de picanha", afirma.

Já João Carlos avalia que o ser humano se adaptou a todos os climas do planeta Terra e que, por isso, se houver vontade real de abraçar outra vida, aqueles que forem para Marte também conseguirão se adaptar. Ele conta que a maior saudade durante a missão será da família, que nunca mais verá.

Tecnologia
Entre especialistas, sobra descrença quanto ao possível sucesso da missão. Para Jorge Ducati, ainda não há tecnologia disponível e segura de manutenção de vida em Marte. Sistemas de extração de água, de obtenção de oxigênio e sua reciclagem, de geração de calor e de produção de alimentos, entre outros, terão que ser desenvolvidos a tempo de ser comprovada sua confiabilidade.

Para ele, o caminho para Marte é o de uma aproximação gradual, como está sendo feito com os sistemas robóticos. Algum dia, mas não antes de 2030, humanos irão ao Planeta Vermelho em uma expedição internacional, acredita. "Este tem sido o caminho para repartir custos que são tão altos que mesmo as superpotências hesitam em investir sozinhas", considera.

Outros óbices estão no custo e nas naves, avalia Ducati. Atualmente, apenas os Estados Unidos têm projeto minimamente coerente de desenvolvimento de foguetes e outros equipamentos, com o objetivo de viagens ao espaço além da órbita lunar. "Não seria provável que os EUA cedessem sua tecnologia para o projeto Mars One, nem que vendessem", conclui.
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