segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Por Que e Como Saber Tudo o Que se Passa no Espaço?

(José Monserrat Filho - Panorama Espacial/Brazilian Space) A Fundação por um Mundo Seguro (Secure World Foundation), uma organização não governamental (ong) norte-americana de grande prestígio, está colocando em debate o tema “Olhando bem o Espaço: Perspectivas e Iniciativas para Aumentar o Conhecimento da Situação do Espaço” (Seeing into Space: Perspectives and Initiatives for Enhancing Space Situational Awareness).

A discussão ocorre no Carnegie Endowment for International Peace, em Washington, Estados Unidos (EUA), nesta terça-feira, dia 9 de dezembro.

A expressão “Space Situational Awareness” (Conhecimento ou consciência da situação do espaço exterior) surgiu ao se perceber que as atividades espaciais realizadas a partir da Terra estão cada vez mais ameaçadas pelos detritos espaciais (debris) criados pela mão humana, pelo clima espacial e pelos objetos naturais que voam livremente no espaço, como meteoritos, asteroides, cometas e seus detritos.

O chamado “lixo espacial”, em franco crescimento devido à intensificação das atividades espaciais, representa hoje um dos maiores perigos para o funcionamento dos satélites ativos, como os de telecomunicações, de observação dos recursos terrestres, de navegação e posicionamento, que prestam inestimáveis serviços de utilidade pública para, praticamente, todos os países e povos do nosso planeta. Sem falar nos satélites e naves de uso militar, que vieram dar muito mais precisão e eficácia às ações bélicas.

Assim, compor o quadro real e permanente de tudo o que de importante se passa no espaço, em especial, nas órbitas próximas ou de interesse da Terra tornou-se uma necessidade estratégica vital e um imenso desafio tecnológico, sobretudo, para as grandes potências donas de vasto e valioso patrimônio espacial, base de sua capacidade científica, tecnológica e industrial, bem como de seu poderio militar.

A tarefa a enfrentar não é só caríssima mas também extremamente complexa. O conhecimento do espaço, em todos os seus múltiplos aspectos, é hoje um dos fatores que mais alarga e aprofunda o fosso da desigualdade econômica, militar, científica, tecnológica e cultural entre os países.

Não há uma definição comum ou consensual de “Space Situational Awareness”. Para a Fundação por um Mundo Seguro, esse conceito é comumente definido como “o conhecimento do ambiente espacial e das atividades espaciais, parte importante da sustentabilidade, proteção e segurança no espaço”. Eis uma definição sucinta que toca em pontos cruciais.

Talvez a definição mais geral seja aquela que se refere ao “conhecimento dos fluxos de partículas e energia no espaço próximo da Terra e dos objetos naturais e artificiais que passam ou orbitam por esse espaço, inclusive o estado passado, presente e futuro de seus componentes”. Isso englobaria o espaço situado num raio de, pelo menos, 100 km ao redor do nosso planeta, por onde voam ou voaram todos os objetos lançados pelos países e empresas da Terra, até mesmo as sondas que foram bem mais longe.

A Fundação Espacial (Space Foundation), ong que promove as empresas espaciais dos EUA, entende, de modo simples e pragmático, que a expressão diz respeito “à capacidade de ver, compreender e prever a localização física de objetos naturais e artificiais em órbitas ao redor da Terra, para evitar colisões”. Essa definição menciona os “objetos naturais”, mas não leva em conta o fato de que tais objetos não orbitam a Terra, apenas cruzam o espaço vizinho a ela. É um equívoco elementar.

A Agência Espacial Europeia (European Space Agency – ESA) elaborou uma definição mais ampla e abrangente, reunindo os três segmentos que costumam integrar o “Conhecimento da Situação do Espaço”:

1) Vigiar e rastrear objetos ativos e inativos, bem como os seus destroços (lixo), em órbita da Terra;

2) Monitorar o clima espacial – as condições do Sol, os ventos solares, a magnetosfera, a ionosfera e a termosfera da Terra, elementos capazes de afetar infraestruturas espaciais e terrestres, além de pôr em perigo a vida ou a saúde humana; e

3) Detectar objetos naturais que podem colidir com a Terra e causar danos e perdas imprevisíveis.

O Comando Estratégico dos EUA (US Strategic Command – Stratcom), que dispõe dos mais poderosos equipamentos para conhecer a situação do espaço a cada instante sustenta que essa atividade busca “o conhecimento atual e previsível dos eventos, ameaças, atividades e condições espaciais, o estado das capacidades dos sistemas espaciais (no espaço, na Terra e suas ligações), as restrições e os usos – presentes e futuros, amigáveis e hostis – para habilitar comandantes, governantes, planejadores e operadores a conquistarem e manterem a superioridade espacial em todo o espectro dos conflitos”. Tal missão abarcaria não só o segmento espacial, mas também as capacidades instaladas em solo que viabilizam o conhecimento buscado e explicam a razão pela qual esse conhecimento é relevante para o Comando Estratégico. A referência à “superioridade espacial” é sintomática.

Considera-se, em geral, que o “conhecimento da situação do espaço” está ligado a ameaças e perigos, mas ele pode igualmente mitigar ou reduzir as chances de ameaças e perigos, e até tirar algum proveito dos recursos potenciais existentes tanto nos detritos naturais, como naqueles feitos pela mão humana, dependendo, claro, dos objetivos visados.

Em nossos dias – e com certeza por muito tempo ainda –, os sistemas de “Conhecimento da Situação do Espaço” são e serão nacionais ou regionais, como acontece na Europa. Continuamos a viver na época do jogo geopolítico das grandes potências, que, em geral, preferem manter seus próprios sistemas de “Conhecimento da Situação do Espaço”. É inegável, porém, que, mais tarde ou mais cedo, a comunidade internacional terá de criar um sistema global para atender melhor as necessidades de informação e segurança espacial de todos os países.

Esse sistema global, com certeza, será baseado na aliança dos sistemas nacionais hoje existentes. O que mudará, parece lógico, é que o sistema global estará comprometido com os interesses e anseios da totalidade dos países, sejam eles grandes ou pequenos, pobres ou ricos, desenvolvidos ou em desenvolvimento, e não apenas à estratégia nacional desta ou daquela grande potência.

Se isso ocorrer, a Era da Globalização, de que tanto se fala hoje, deverá galgar um patamar efetivamente novo de entendimento, solidariedade e cooperação, capaz de mudar a trajetória histórica do nosso planeta.

Sonho de uma noite de verão? Ou exigência incontornável para a humanidade progredir, evoluir e sobreviver?

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