terça-feira, 2 de dezembro de 2014

A China Diante do Direito Espacial

(José Monserrat Filho - Panorama Espacial/Brazilian Space) “Os Estados-Partes do Tratado têm a responsabilidade internacional das atividades nacionais realizadas no espaço cósmico, inclusive na Lua e demais corpos celestes, quer sejam elas exercidas por organismos governamentais ou por entidades não-governamentais, e de velar para que as atividades nacionais sejam efetuadas de acordo com as disposições anunciadas no presente Tratado. As atividades das entidades não-governamentais no espaço cósmico, inclusive na Lua e demais corpos celestes, devem ser objeto de autorização e vigilância contínua pelo respectivo Estado-Parte do Tratado.” Artigo 6º do Tratado do Espaço de 1967

A China sempre respeitará o Direito Espacial Internacional e planeja adotar sua própria legislação nacional sobre as atividades espaciais até 2020, declarou o Diretor da Administração Nacional Espacial da China (CSNA), Xu Dahze¹, que também é Vice-Ministro da Indústria e figura de peso em áreas estratégicas da economia chinesa.

A Declaração foi feita na sessão de abertura do Workshop sobre Direito Espacial, organizado em conjunto pelo Escritório das Nações Unidas para Assuntos do Espaço Exterior (United Nations Office for Outer Space Affairs – UNOOSA), pela CSNA e pela Organização Ásia-Pacífico de Cooperação Espacial (Asia-Pacific Space Cooperation Organization – APSCO)². O evento de cinco dias (17-21 de novembro) teve como tema central “O Papel da Legislação Espacial Nacional no Fortalecimento do Estado de Direito”.

Xu Dahze acrescentou que a China já adotou diretrizes políticas e regulamentos nacionais nas áreas de lançamentos espaciais civis, registro de objetos espaciais, bem como de redução e prevenção de detritos espaciais. O Secretário Geral da CNSA, Tian Yulong, por sua vez, informou que o Direito Espacial Nacional está incluída no plano nacional de leis a serem criadas.

O workshop abordou os mais recentes desenvolvimentos em política e Direito Espacial Internacional, as questões jurídicas sobre as atividades comerciais envolvendo o espaço, a formação de especialistas e a divulgação de informações no setor. Participaram do evento mais de 30 países e organizações internacionais, em especial da região Ásia-Pacífico. A Diretora do UNOOSA, Simonetta Di Pippo, salientou que o seminário vem ajudar os países a cumprirem as normas do Direito Espacial Internacional, a utilizarem melhor o espaço e a manterem a segurança espacial.

Os seminários da UNOOSA sobre Direito Espacial vem sendo promovidos há mais de uma década. Já foram realizados na Holanda, em 2002, na Coreia do Sul, em 2003, no Brasil, em 2004 (por iniciativa da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial – SBDA), na Nigéria, em 2005, na Ucrânia, em 2006, no Irã, em 2009, na Tailândia em 2010, e na Argentina, em 2012.

A China e os Tratados Internacionais
A China ratificou quatro dos cinco grandes tratados elaborados e aprovados pelas Nações Unidas sobre o espaço e as atividades espaciais:

1) Tratado sobre Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Cósmico, Inclusive a Lua e Demais Corpos Celestes ("Tratado do Espaço"), de 1967;

2) Acordo sobre o Salvamento de Astronautas e Restituição de Astronautas e de Objetos Lançados ao Espaço Cósmico ("Acordo de Salvamento e Restituição"), de 1968;

3) Convenção sobre Responsabilidade Internacional por Danos Causados por Objetos Espaciais ("Convenção de Responsabilidade"), de 1972; e

4) Convenção Relativa ao Registro de Objetos Lançados ao Espaço Cósmico ("Convenção de Registro"), de 1976.

A China não ratificou, nem assinou, o Acordo que Regula as Atividades dos Estados na Lua e Outros Corpos Celestes ("Acordo da Lua"), de 1079. Não se conhecem os motivos dessa decisão.

O Livro Branco das Atividades Espaciais
A China já produziu três edições do “Livro Branco” sobre suas atividades espaciais, em 2000, 2006 e 2011. Na edição mais recente, o governo chinês afirma que “cada um e todos os países do mundo têm direitos iguais para explorar livremente, desenvolver e utilizar o espaço exterior e seus corpos celestes, e que as atividades espaciais de todos os países devem ser benéficas ao desenvolvimento econômico, o progresso social das nações, à segurança, à sobrevivência e ao desenvolvimento da humanidade”.3

E mais: “A cooperação espacial internacional deve respeitar os princípios fundamentais estabelecidos na 'Declaração sobre a Cooperação Internacional na Exploração e Uso do Espaço Exterior em Benefício e no Interesse de todos os Estados, Levando em Especial Consideração as Necessidades dos Países em Desenvolvimento'".4

No documento, a China sustenta também que “o intercâmbio e a cooperação internacionais devem ser fortalecidos para promover o desenvolvimento espacial inclusivo, com base na igualdade e benefício mútuo, uso pacífica e desenvolvimento comum”.

Princípios Políticos Fundamentais
O “Livro Branco” diz ainda que “o governo chinês adotou as seguintes políticas fundamentais sobre o desenvolvimento de intercâmbios espaciais internacionais e de cooperação:

1) Apoiar as atividades espaciais de uso pacífico no âmbito das Nações Unidas, bem como todas as ações das organizações intergovernamentais e não-governamentais, que promovem o desenvolvimento da indústria espacial;

2) Enfatizar a cooperação espacial regional na área Ásia-Pacífico, e apoiar outras organizações regionais de cooperação espacial ao redor do mundo;

3) Fortalecer a cooperação espacial com os países em desenvolvimento e valorizar a cooperação espacial com países desenvolvidos;

4) Incentivar e endossar os esforços dos centros nacionais de pesquisa científica, as empresas industriais, as instituições de ensino superior e organizações sociais para o desenvolvimento espacial internacional, o intercâmbio e a cooperação em diversas formas e em vários níveis, sob a orientação dos respectivos estados, políticas, leis e regulamentos;

5) Usar de forma apropriada tanto o mercado interno quanto o externo – os dois tipos de recursos – e participar ativamente da prática da cooperação espacial internacional.

Instituto de Direito Espacial da China
Cabe frisar ainda que a China tem seu Instituto de Direito Espacial (CISL), fundado em 1992 por cinco ministérios e hoje patrocinado pela CNSA e pela Corporação Chinesa de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (China Aerospace Science and Technology Corporation – CASC), além de contar com a contribuição de seus sócios fundadores e sócios regulares.

O Instituto de Direito Espacial chinês, que busca ligar a área acadêmica com o Governo e a indústria, forma especialistas, promove eventos e estudos em escala nacional e internacional. Suas atividades científicas incluem consultas ao serviço diplomático do país, contribuem no preparo de leis e regulamentos, em particular sobre o desenvolvimento industrial, defendendo a filosofia do Estado de Direito na indústria espacial. A entidade também se empenha em atrair jovens juristas para programas de formação profissional em outros países.

Destaque-se, igualmente, que o CISL organiza, desde 2003, a participação de crescente número de universitários chineses no Juri Simulado Manfred Lachs, criado em 1993 pelo Instituto Internacional de Direito Espacial (IISL). Foi ele que coordenou a organização local do 64º Congresso Interacional de Astronáutica (IAC), realizado em Pequim, no mês de setembro de 2013.

O Precursor
Pioneiro do Direito Espacial na China, na etapa de sua especialização (1982-1992), foi o Prof. He Qizhi, membro da Consultoria Jurídica do Ministério das Relações Exteriores de seu país e autor dos livros “Direito do Espaço Exterior” (“Outer Space Law”) e “O Progresso Jurídico do Espaço na China” (“Legal Progress of Space na China”), lançados, respectivamente, em 1992 e 1993., além de dezenas de artigos publicados em várias revistas e anais de circulação internacional. Prof. He Qizhi foi Diretor e Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial. E recebeu importantes Prêmios da Federação Internacional de Astronáutica (FIA) e da Academia Internacional de Astronáutica (AIA) por sua obra.

Estas informações básicas revelam que a China já está muito bem alicerçada e aparelhada para se lançar à relevante tarefa de erigir sua legislação geral sobre as atividades espaciais.5

Notas & Referências
1) Xu Dahze esteve em Brasília em meados de julho deste ano. Na mesma época o Presidente da China, Xi Jinping, participou da Conferência de Cúpula do Fórum dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), realizada em Fortaleza, Ceará, e encontrou-se com a Presidenta Dilma Rousseff no Palácio do Planalto. Ambos prestigiaram a assinatura de 32 atos de parceria entre os dois países, inclusive um memorando de entendimento sobre cooperação em dados de sensoriamento remoto por satélite. Outros 13 documentos foram também firmados durante a visita presidencial.

2) A APSCO, fundada em Pequim, no ano de 2005, tem como países membros Bangladesh, Indonésia, Irã, Mongólia, Paquistão, Peru, Tailândia e Turquia, além da própria China.

3) Ver .

4) Resolução 51/122 da Assembleia Geral das Nações Unidas; ver texto em .

5) Coincidentemente, o Brasil tem pela frente o mesmo plano, já previsto no Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE 2012-2021), editado pela Agência Espacial Brasileira (AEB). A Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), graças ao trabalho de seu Núcleo de Estudos de Direito Espacial (NEDE), já compôs um projeto de Lei Geral das Atividades Espaciais no Brasil. Com esse projeto, a SBDA presta sua contribuição ao estudo e ao debate que o país deve promover sobre a lei necessária. O projeto já foi apresentado na sessão de 2014 do Subcomitê Jurídico do Comitê das Nações Unidas para o Uso Pacífico do Espaço Exterior (UNCOPUOS), em Viena, Áustria, e na Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), na Universidade Federal do Acre, em Rio Branco, em julho de 2014.

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