segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Base de foguetes será vizinha de espécies ameaçadas

A SpaceX afirmou que tomará várias medidas para proteger os animais


(Scientific American Brasil) Boca Chica, território pouco desenvolvido no sul do Texas, entre o Canal de Brownsville e o Rio Grande na fronteira que faz fronteira entre Estados Unidos e México, é um refúgio para muitos animais ameaçados de extinção. As criaturas incluem a tartaruga de couro, a tartaruga-cabeçuda, a tartaruga de pente, a tartaruga verde e a tartaruga de Kemp, além de aves como a tarambola, a seixoeira e o falcão plumado. O local também é habitat de dois felinos raros: o jaguarundi e a jaguatirica.

A Administração Federal de Aviação (FAA) dos Estados Unidos recentemente deu permissão à empresa privada SpaceX para pedir autorização para construir uma instalação de lançamento em Boca Chica. Em seu Registro Decisório, a agência afirmou que a instalação proposta “pode afetar, é provável que afete de maneira adversa” todas essas espécies.

Ainda que a SpaceX tenha sido elogiada por alguns administradores da vida selvagem por seus planos de minimizar efeitos negativos, a instalação de lançamento é preocupante para conservacionistas como Carole Allen do Projeto de Restauração da Tartaruga Marinha, particularmente em relação à tartaruga de Kemp, que faz ninhos no Texas e no norte do México e que quase foi extinta na década de 70.

Graças a décadas de trabalhos de conservação, o número dessas tartarugas que fazem ninhos subiu de 12 para 17% por ano na primeira década deste século, mas caiu 25% em 2013 e 45% em 2014 se comparado a 2009. O declínio pode se dever parcialmente ao vazamento de petróleo da Deepwater Horizon – dados permanecem confidenciais como parte do processo de avaliação de danos até que o caso seja resolvido no tribunal – além da pesca de arrasto de camarões sem dispositivos de proteção, e a estranha inconstância de influxos altos e baixos de água doce no Golfo do México.

Foguetes são uma nova preocupação. Atividades espaciais e vida selvagem podem co-existir, e vem co-existindo na Flórida há 50 anos. O Centro Espacial Kennedy, da Nasa, se estende por mais de 7% dos 140 mil acres do Refúgio Nacional de Vida Selvagem Merritt Island, e agências governamentais trabalham juntas para minimizar efeitos de operações espaciais sobre a vida selvagem e o habitat, e vice-versa. O número de tartarugas-cabeçudas que fazem ninhos no refúgio aumentou constantemente nas últimas décadas, chegando a 1.100 em 2014.

No Texas, a SpaceX parece ter começado com o pé direito. Patrick Burchfield, diretor do Zoológico Gladys Poter e um dos principais agentes no trabalho de recuperação das tartarugas de Kemp, declara que a empresa o contatou no início do processo de seleção de locais para discutir preocupações com a instalação. “Até agora eles têm sido muito responsáveis e compreensivos”, declara ele. “Eles fizeram a lição de casa. Falando como biólogo, a melhor coisa seria não construir nada por lá, mas essa não é uma visão realista”.

A situação do Texas é complicada por vários fatores. Um deles é a miscelânea de propriedades de terra ao redor da instalação proposta, incluindo Cameron County, o Departamento de Parques e Vida Selvagem do Texas, três tratos do Refúgio Nacional do Vale do Baixo Rio Grande, e propriedades particulares, além de um país estrangeiro a apenas alguns quilômetros de distância.

As relações de trabalho por lá serão mais complexas que as existentes entre a Merritt Island e a Nasa. Outro fator é que a SpaceX é uma empresa privada. A administradora da Merritt Island, Sandy Mickey, aponta que trabalhar com outra agência do governo é diferente de trabalhar com uma empresa privada. “As duas têm missões diferentes. A deles é o lucro”, declara ela.

A SpaceX afirmou que tomará várias medidas para proteger animais ameaçados. De acordo com documentos da FAA, a SpaceX consultou o Corpo de Engenheiros do Exército, o Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos Estados Unidos (USFWS), o Departamento de Parques e Vida Selvagem do Texas, a Prefeitura de Brownsville e o Porto de Brownsville para determinar opções de mitigação. As propostas incluem a administração de barulho e luz, preservação de habitat, planos detalhados de monitoramento, e relatórios anuais para o USFWS.

Sem essas ações, a Declaração de Impactos Ambientais preparada para a instalação do Texas pelo USFWS antecipa que um máximo de 91 tartarugas marinhas possam ser mortas ou feridas. Com a utilização das medidas propostas, os danos poderiam ficar limitados a um adulto e um ninho por ano de tartaruga-cabeçuda, tartaruga verde, tartaruga de couro e tartaruga de pente, e três adultos e três ninhos de tartarugas de Kemp – um número significativo para uma espécie com tão poucos indivíduos. Uma única fêmea mantém seu ninho durante muitos anos, frequentemente produzindo duas ou três ninhadas por temporada.

A construção propriamente dita da instalação removerá aproximadamente 16 acres de planalto e três acres de terras úmidas de habitat, além de isolar mais três acres de terras úmidas do mar. A avaliação de impacto ambiental afirma que, ainda que as atividades de construção possam temporariamente deslocar a vida selvagem, “... espera-se que as espécies de vida selvagem se mudem para um habitat adequado nas proximidades e não sejam afetadas de maneira significativa por atividades de construção de curto prazo”. Espera-se, porém, que a construção leve até três anos, criando o possível deslocamento de pelo menos três temporadas de nidificação de tartarugas marinhas.

De acordo com um porta-voz da empresa, a SpaceX não está comentando o impacto ambiental da instalação de Boca Chica além do que está expresso na Declaração de Impactos Ambientais, no Registro Decisório e no Parecer Biológico e de Conferência do USFWS, que incluem longas listas de abordagens de mitigação desenvolvidas pela empresa e pelas agências por meio de processos de revisão.

A decisão da FAA só abrirá o caminho para que a SpaceX peça autorização para construir a instalação e lançar seus veículos. Esses pedidos terão que atender certos requisitos para garantir a proteção ambiental consistente com o Ato de Políticas Ambientais Nacionais, além de critérios de segurança pública, seguros e segurança nacional, de acordo com Hank Price do Escritório de Comunicações da FAA.

Uma vez que as autorizações sejam emitidas, a FAA se torna responsável por verificar que as medidas propostas de mitigação estejam sendo executadas e, “como necessário”, podem firmar um acordo com a SpaceX para inspeções anuais. Essa falta de supervisão formal preocupa Allen do Projeto de Restauração de Tartarugas Marinhas, e grupos como o Sierra Club também destacaram a necessidade de garantir que a empresa cumpra suas promessas.

Burchfield aponta que proximidade da instalação a três refúgios de vida selvagem significa “muitos espectadores” para suas operações. O líder do projeto da SpaceX para o refúgio do Vale do Baixo Rio Grande, Robert Jess, aponta que haverá equipes dedicadas a monitorar atividades e impactos do porto espacial.

Burchfield relata que a SpaceX recentemente entrou em contato com ele para conduzir estudos de comparativos no local. “Eles já estão demonstrando um alto nível de preocupação e responsabilidade. Essa é a coisa menos intrusiva que poderia ser feita por lá e, no longo prazo, ela pode ajudar a vida selvagem por restringir outros desenvolvimentos. Eu espero não estar errado, mas não acho que estarei”.

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