sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Brasil Lançou 80 Veículos Espaciais em 10 Anos; Confira Entrevista Com Diretor do CLA


(Ceará Científico/Brazilian Space) Pouca gente sabe, mas em média o Brasil lançou um foguete ao espaço a cada 46 dias nos últimos 10 anos. O feito fica ainda mais impressionante quando se considera um investimento para o setor aeroespacial que representa apenas pouco mais de 0,01% do Orçamento da União.

Mas talvez seja mais difícil acreditar nesse resultado quando se lembra que no dia 22 de agosto de 2003, uma explosão na principal base de lançamento de foguetes do país, o Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) matou 21 dos mais brilhantes técnicos e cientistas brasileiros ligados à tecnologia de construção e lançamento de veículos espaciais, além de interromper o mais audacioso projeto nacional na área, o VLS (Veículo Lançador de Satélites).

Para tentar entender como foi possível essa proeza e quais os principais projetos em andamento e dando prosseguimento à série sobre o Programa Espacial Brasileiro, o Blog Ceará Científico, entrevistou o diretor do CLA, o Coronel Engenheiro César Demétrio Santos e também o Coronel Aviador Avandelino Santana Júnior, Chefe da Subdiretoria de Espaço do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE).

Confira a entrevista:

Blog Ceará Científico - Quando o Centro de Lançamento de Alcântara deve retomar o ritmo que tinha antes do acidente de 2003? Que atividades estão sendo desenvolvidas hoje?
Coronel Engenheiro César Demétrio Santos - Mesmo após o acidente de 2003, o CLA não diminuiu o ritmo das atividades de lançamentos. O que ocorreu foi uma revisão geral de todos os procedimentos e do próprio projeto do Veículo Lançador de Satélites (VLS). Contudo, no ano seguinte os lançamentos foram retomados com o foguete suborbital SBAT-70 durante a Operação Gaivota VI. Desde aquele ano, somente no Centro de Lançamento de Alcântara foram lançados 80 veículos espaciais, entre foguetes de sondagem para realização de estudos e pesquisas com experimentos no espaço e foguetes de treinamento para testar e verificar os equipamentos e capacitar as equipes. Boa parte desses lançamentos permitiu aos nossos cientistas e pesquisadores desenvolverem estudos e pesquisas no espaço e que foram revertidos em uma série de benefícios para o Brasil. Exemplos são os estudos em biotecnologia e nanotecnologia referente ao comportamento de enzimas e nanotubos de carbono em ambiente de microgravidade, ou ainda as pesquisas de nossas universidades e institutos de pesquisa a exemplo do GPS Espacial em desenvolvimento pela UFRN. O sucesso no exterior do VSB-30 deve-se em boa medida aos lançamentos de qualificação realizados no CLA. Só para situar, seu primeiro voo ocorreu em Alcântara no ano de 2004 durante a Operação Cajuana. O veículo já rendeu mais de 2,8 milhões de euros ao Brasil e tem sido lançado em países como Austrália, Noruega e Suécia, além de ser o primeiro foguete brasileiro totalmente certificado. Os lançamentos realizados em Alcântara movimentam a indústria aeroespacial do país, setor responsável por empregar milhares de pessoas. Toda a cadeia (pesquisadores/desenvolvedores, fornecedores, governo) é beneficiada em cada lançamento que é a etapa final do processo. Além disso, boa parte da mão-de-obra do setor aeroespacial é capacitada e adquire conhecimentos a partir dos lançamentos realizados pelo CLA.

BCC - Como está o desenvolvimento do VLM-1? Qual a previsão de lançamento?
Coronel Aviador Avandelino Santana Júnior - O Veículo Lançador de Microsatélites (VLM-1) é um foguete destinado ao lançamento de cargas úteis de até 150 kg( microssatélites, nanossatélites e picossatélites) em órbitas equatoriais, polares ou de reentrada. Sua configuração básica é composta por três estágios a propelente sólido: dois com motores S50 de 11 toneladas de propelente sólido e um estágio orbitalizador com o motor S44 (idêntico ao 4º estágio do VLS-1). Essa configuração foi escolhida para atender à missão de levar ao espaço a carga útil alemã SHEFEX 3, experimento que pretende realizar uma reentrada controlada e ser recuperado no mar. Por essa razão, o desenvolvimento do VLM-1 está sendo realizado em parceria com o DLR. Atualmente, diversos estudos de concepção, análises de viabilidade e ensaios já foram executados, incluindo a fabricação de modelos de engenharia do envelope motor em fibra de carbono e do sistema de atuação das tubeiras dos motores S50, bem como tiros em banco com motores testes para avaliar a proteção térmica interna do motor S50, além de verificar o desgaste das tubeiras. Um dos principais objetivos desse projeto é a participação da indústria nacional desde a fase de concepção até a operação de lançamento. Entretanto, devido às restrições de recursos financeiros, que tem sido insuficientes para contratar na indústria nacional o desenvolvimento dos motores no que concerne ao envelope motor e ao próprio carregamento de propelentes, além da eletrônica de bordo, o desenvolvimento acaba sofrendo constantes ajustes e alterações de cronograma, o que pode levar ao risco de não atender ao prazo de lançar o experimento alemão em 2016, tal como planejado.

BCC - Em termos de percentual relativo do PIB, o Programa Espacial Brasileiro destina dez vezes menos recursos que a Índia e 30 vezes menos que os EUA, segundo levantamento? Porque isso acontece? A falta de verbas por si só explica a diferença entre os programas espaciais desses países ou há como driblar a escassez de dinheiro e alavancar o setor aeroespacial no País?
CECDS - De fato é uma realidade nossa defasagem em termos de recursos orçamentários destinados ao Programa Espacial se comparado a países como os EUA e da própria Índia, que a exemplo do Brasil compõe o BRIC. Esses mesmos países desde os primórdios da Guerra Fria tiveram uma alavancada de recursos governamentais destinados aos seus programas espaciais que possibilitou um maior desenvolvimento de todo setor aeroespacial. No Brasil, os investimentos governamentais nas décadas pós II Guerra Mundial foram mais fortemente destinados aos setores de infraestrutura e outras áreas como a indústria pesada ou de bens de produção (mineração, petróleo). Foi uma opção que o país adotou e não podemos dizer que tenha sido uma escolha incorreta, mas sim aquilo que os dirigentes da época vislumbravam como prioridade de momento. O que acontece é que com os investimentos governamentais destinados ao setor aeroespacial naqueles países toda uma estrutura propícia foi ali criada desde a formação de capital humano, passando por investimentos da iniciativa privada e um crescente desenvolvimento científico-tecnológico. No Brasil tal situação ocorre mais tardiamente, sobretudo a partir da criação da Agência Espacial Brasileira (AEB) no ano de 1994, quando maiores volumes de investimento governamental passaram a ser destinados à atividade espacial. Para alavancar o setor aeroespacial no país faz-se necessário além de investimentos governamentais contínuos uma ampla interação com a indústria e os institutos de pesquisa como ocorreu/ocorre nos países que hoje se encontram na vanguarda da tecnologia aeroespacial.

BCC - Até que ponto, o crescimento econômico vertiginoso de Índia e China estão relacionados ao seu poderio aeroespacial? O Brasil pode se inspirar nesses países? E quais as implicações militares e geopolíticas que um programa espacial forte poderia trazer ao Brasil?
CECDS - O setor aeroespacial não pode ser apontado como único elemento relacionado ao crescimento econômico observado na Índia e na China. Existem muitas outras variáveis que elevam os índices macroeconômicos daqueles países (exportações, baixo custo de produção, incentivos fiscais). Lógico que se você investe no setor aeroespacial, se quisermos pensar de maneira mais ampla em atividades que adotem mais intensamente ciência e tecnologia, tem-se produtos e serviços com maior valor agregado, consequentemente reduzindo-se a dependência por commodities. Certamente o Brasil pode se inspirar nesses países, mas pra isso envolve ajustes conjunturais e readequação do modelo macroeconômico atual. Um programa espacial forte nos propicia garantir maior segurança na proteção de nosso território por meio de satélites próprios e é uma sinalização para outros países de nosso poderio, embora nosso Programa Espacial Brasileiro tenha essencialmente fins pacíficos. Uma simples associação que podemos inferir é a dos países que compõem o Conselho de Segurança da ONU como membros permanentes, a que tanto tempo o Brasil pleiteia. Embora não seja um fator único e exclusivo, todos eles – membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU – são grandes potências na área espacial.

BCC – Alguns países como os EUA estão abrindo espaço para a exploração civil e privada do setor aeroespacial? Qual a sua avaliação dessa perspectiva? O CLA defende exclusividade nesse segmento ou estaria aberto a parcerias com a iniciativa privada?
CECDS - Minha avaliação é que o setor aeroespacial exige cifras consideráveis de recursos para seu amplo desenvolvimento o que se pode fazer hoje em dia por meio de parcerias intergovernamentais e com a própria iniciativa privada. Enquanto Diretor do Centro de Lançamento de Alcântara defendo o que for melhor para o desenvolvimento de nosso setor aeroespacial, e isso passa pelo incremento das parcerias internacionais e com a iniciativa privada desde que haja uma regulação eficiente e que cada ente envolvido cumpra com as responsabilidades acordadas. Contudo, tal decisão envolve níveis decisórios superiores como o alto comando da Aeronáutica, ministérios, Congresso Nacional e a Presidência da República, além de uma ampla discussão com toda sociedade.

BCC - O que faltou ao longo dos anos e o que deve ser feito nas próximas décadas para o Brasil diminuir o atraso em relação às potências espaciais?
CECDS - Acredito que a tríade governo, indústria e centros de pesquisa é o que precisa ser melhor trabalhado para desenvolvermos o setor aeroespacial no país.

BCC – A questão fundiária no entorno do CLA está resolvida? Há algum outro tipo de obstáculo para a aceleração das atividades do centro?
CECDS - Existe uma área de 8.713 hectares na península de Alcântara que hoje é destinada à atividades exclusivas do CLA. Contudo, vislumbrando futuramente a expansão operacional do Centro com a construção de outros sítios de lançamentos, o Comando da Aeronáutica pleiteou uma área de mais 12.000 hectares junto aos órgãos de administração fundiária. O processo encontra-se desde 2010 em análise junto à Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF). Para que possamos trabalhar com os sucessores do VLS, veículos de maior porte ou mesmo acrescentar outros veículos aos serviços de lançamento do CLA, será necessário a instalação de outros sítios, pois cada veículo demanda uma plataforma de lançamentos específica. Logo para que possamos futuramente desenvolver mais as atividades no CLA e consequentemente o setor aeroespacial no país faz-se necessário a expansão da atual área operacional da unidade da Força Aérea. Esse é um ponto primordial, haja visto que todos os grandes projetos envolvendo veículos lançadores conforme o cronograma previsto no Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE) passam invariavelmente pelo CLA.

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