sábado, 9 de abril de 2011

A Política Espacial Brasileira e o Acordo com os EUA

Um anúncio importante envolvendo a área espacial foi feito durante a visita do presidente Obama ao Brasil no mês de março. Trata-se da assinatura de um acordo de cooperação entre Brasil e Estados Unidos envolvendo a NASA (agência espacial estadunidense)

(Vermelho / Brazilian Space) O acordo prevê "atividades conjuntas na área de pesquisa, desenvolvimento e fabricação de veículos lançadores (foguetes) ao espaço, bem como atividades de treinamento e o desenvolvimento de programas e projetos de cooperação para o monitoramento do planeta Terra e operações espaciais em geral".

Desde os seus primórdios na década de 1960, o Brasil havia feito uma clara opção por não abrir mão de sua soberania no que dizia respeito às pesquisas na área de lançadores de satélites. Esta opção nunca agradou aos Estados Unidos, por se tratar do desenvolvimento de tecnologia sensível (aquela que tanto pode ser utilizada para fins pacíficos, como lançar satélites, quanto para fins militares, no lançamento de mísseis e satélites de defesa, por exemplo). Na mesma época, a Argentina adotou posição contrária, abdicando de sua autonomia nesta área e aceitando os termos da cooperação com os Estados Unidos, que previa o desenvolvimento apenas conjunto destas tecnologias, portanto, sob tutela estadunidense.

O Programa Espacial Brasileiro (PEB) tem início com a criação do Ministério da Aeronáutica, em 1941, durante a 2ª Guerra Mundial, com a implantação do então Centro Técnico de Aeronáutica (CTA) e do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), ambos em São José dos Campos. O CTA é o órgão responsável, dentro do PEB, pelo desenvolvimento de foguetes. Mais tarde, em 1961, foi criado o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), responsável, dentre outras coisas, pelo desenvolvimento de satélites.

É bem verdade que foi a partir da interação com os Estados Unidos que o Brasil adquiriu os conhecimentos básicos na área de foguetes, o que incluía não somente os motores-foguetes, mas também a carga-útil e as operações de lançamento, rastreio e recuperação. O primeiro foguete desenvolvido no CTA, o Sonda 2, foi inspirado no foguete Black Brant-3. A ajuda dos Estados Unidos cessaria duas décadas depois, com inúmeros embargos ao PEB, situação esta que permanece até o presente.

Novo Salto
Em função do sucesso obtido com os foguetes Sonda 2 e Sonda 3, do novo arranjo institucional da área espacial e das legítimas aspirações de uma nação em desenvolvimento, o Brasil estava pronto para dar um novo salto em seu programa espacial: optou pelo desenvolvimento autônomo da tecnologia necessária para a criação de um foguete (o VLS-1), capaz de colocar artefatos na órbita da Terra.

No front externo o quadro se mostrava pouco favorável ao Brasil. Com a formação do Missile Technology Control Regime (MTCR), em 1987, as nações que dominavam a tecnologia espacial restringiram a transferência de tecnologia associada a mísseis. Portanto, mesmo sendo um programa com objetivos civis, o programa VLS-1 sofreu um duro revés. O fato de o Brasil possuir um programa de lançadores conduzido por militares em um país também com ambições nucleares era mal visto pelos países desenvolvidos. Para completar, houve a decisão do governo brasileiro de não aderir ao MTCR. Dessa forma, foram embargados computadores, matérias primas de propelentes, giroscópios, plataformas inerciais e materiais compósitos. Apesar do boicote, o Brasil logrou êxito em importar, em 1995, plataformas inerciais da Rússia, sob protestos do governo dos Estados Unidos.
Se não bastasse o boicote internacional por parte dos países detentores da tecnologia espacial, há riscos internos nada desprezíveis. Além de setores da sociedade que julgam que o Brasil não precisa de um veículo lançador de satélites, tem-se a percepção que a própria Aeronáutica não está convencida dessa necessidade, uma vez que trata o programa VLS-1 da mesma forma que outros programas de menor importância estratégica.

Previsão do Tempo
Cabe destacar que dentre os países pertencentes ao Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), o Brasil é o único que não domina a tecnologia de construção e lançamento de artefatos espaciais. Para um país com as dimensões continentais do Brasil e que almeja uma maior inserção no cenário internacional, é inconcebível a ausência de satélites de defesa. Em um mundo em que a questão ambiental domina boa parte da agenda internacional, e do qual o Brasil é ator principal em função da Amazônia, é inaceitável a inexistência de satélites de sensoriamento remoto 100% nacionais. Considerando-se que 30% do PIB nacional advêm da agroindústria, é temerário imaginar que dependamos de nações estrangeiras para efetuar a previsão do tempo.

É com base nesta realidade, em especial no histórico do Programa Espacial Brasileiro, que este acordo de cooperação na área espacial com os Estados Unidos deve ser analisado. Os "otimistas" podem argumentar que os tempos são outros, que o Brasil se desenvolveu, que os Estados Unidos também mudaram. Mas a dura verdade é que o Brasil somente conseguirá atingir seus objetivos na área espacial caminhando com suas próprias pernas. Nenhum país irá nos "transferir" esta tecnologia no âmbito de nenhum acordo.

China
Só para ficar em um exemplo concreto: o Brasil tem um acordo de "cooperação" com a China na área espacial que já dura mais de 20 anos. Neste período foram lançados três satélites de imageamento da Terra, e há mais dois praticamente prontos para serem lançados nos próximos anos. As bases do acordo são simples: 50% para cada lado, em tudo, dinheiro, fornecimento de equipamentos, despesas com lançamento, etc.

Quando teve início na segunda metade da década de 1980 poderia se dizer que o programa era igualmente importante e estratégico para ambos os países. Passados 20 anos muita coisa mudou: a China experimentou um avanço fenomenal na área espacial, passou a ser um dos três países a conseguir colocar pessoas na órbita da Terra, enviou missões não-tripuladas para a órbita da Lua, lança uma média de 15 a 20 satélites por ano (só os deles, sem falar os que eles lançam para terceiros, em bases comerciais).

Hoje o acordo de cooperação com a China (CBERS) continua sendo o cartão-postal da Política Espacial Brasileira, ao passo que para os chineses, este programa é, do ponto de vista científico-tecnológico, praticamente insignificante. Atualmente o que mantém este acordo em pé são os interesses geopolíticos. Que, convenhamos, não é pouca coisa.

Agora, se com a China, nosso parceiro do Bric, a relação já é descomunalmente desigual na área espacial, o que falar de um acordo com os Estados Unidos nesta área? Não há como se comparar um país que possui 433 satélites operacionais com outro que conta com apenas dois. Tal descompasso fica ainda mais evidenciado quando se constata que o custo de cada lançamento do ônibus espacial americano (cerca de quinhentos milhões de dólares) é superior ao orçamento anual do Programa Espacial Brasileiro.

Alcântara
Por tudo isso pode-se afirmar que o recém-assinado acordo de cooperação com os Estados Unidos na área espacial tem tudo ou para se transformar em letra morta, servindo apenas como instrumento diplomático com vistas à aproximação comercial entre os dois países, ou, o que seria pior, a brecha política que faltava aos Estados Unidos para implementarem seu antigo desejo de "alugar" a base de lançamento de foguetes de Alcântara, no Maranhão, após o Congresso Nacional ter "engavetado" tal proposta feita no governo FHC, por tudo que representava em termos de quebra da soberania de uma parte do território brasileiro.

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